O conceito de inclusão pessoa com deficiência tem vindo a ser alvo de grandes críticas, porém também de grandes evoluções. Para melhor compreendermos este assunto vamos falar um bocadinho desta evolução.
Segundo Lowenfeld e Kirk e Gallagher podemos reconhecer quatro grandes períodos de desenvolvimento das atitudes em relação às pessoa portadora de deficiência, os quais correspondem a fases distintas da história e ainda a um quinto período, no qual se insere a sociedade de hoje.
1º Período – Separação
Era praticada geralmente por duas vias: a aniquilação ou a veneração.
Neste período, na maioria das sociedades a pessoa portadora de deficiência era vista com superstição e malignidade.
No início da Idade Média foi aceite uma relação de causalidade entre demonologia e anormalidade, por exemplo: em muitas civilizações (orientais, clássicas) a pessoa portadora de deficiência era vista como um monstro, logo defendiam a condenação à morte com o objectivo de preservar a raça e evitar sobrecargas para a comunidade.
Posteriormente, este sentimento de horror em relação à pessoa portadora de deficiência foi dando lugar ao sentimento de caridade, por exemplo: os Egípcios divinizavam as pessoa portadora de deficiência para conseguirem protecção superior, o qual corresponde ao início da era da protecção.
2º Período - Protecção
No entanto era ainda comum mutilar ou cegar indivíduos que cometiam graves delitos. Nos finais da Idade Média, através das ordens religiosas, foram criados vários hospícios onde os deficientes eram assistidos, basicamente em questões de alimentação e vestuário.
Acreditava-se, ainda, que tratando bem os deficientes, os idosos e outros carenciados se obtinha um lugar no céu.
Com o aparecimento do movimento reformista da Igreja surge uma nova visão sobre os deficientes. Passaram a ser encarados como um indício do descontentamento divino, sendo novamente relegados para um plano inferior.
Só mais tarde começaram a surgir as primeiras tentativas ao nível da sua educação.
3º Período – Emancipação
Com o Renascimento surge o interesse em estudar o homem, a industrialização e a consequente falta de mão de obra, bem como o aparecimento de deficientes ilustres, nomeadamente cegos, foi dado um grande impulso na sua educação, influenciando decisivamente os pioneiros da Educação Especial.
No último quartel do século XVIII, com o surgimento das ideias iluministas da Revolução Francesa, os problemas da deficiência começam a ser estudados .
Foram sobretudo alguns médicos da escola francesa, como Esquirol e Morel, e alguns médicos da escola alemã, como Griesinger e Kretschmer, que tiveram o mérito de chamar a atenção para a necessidade de os problemas da deficiência passarem a ser observados à luz de novos factos científicos de carácter psicofisiológico e etiopatogénico.
É no ano de 1801, com Itard e a sua primeira tentativa para educar um deficiente (Victor, o selvagem de Avignon), que é apontado como o início da Educação Especial propriamente dita.
Porém, só mais tarde, com o aparecimento da Lei da Educação Obrigatória para Todos, o problema da educação da criança portadora de deficiência começa a ser verdadeiramente questionado.
Nos finais do século XIX a Educação Especial caracterizava-se por um ensino ministrado em escolas especiais em regime de internato, específicas de cada deficiência, embora existissem defensores do sistema integrado e fossem aparecendo outras formas de atendimento como o semi-internato, a classe de aperfeiçoamento e a classe especial.
Aparecem as primeiras tentativas de explicação e classificação dos diferentes tipos de deficiência, bem como os primeiros estudos científicos nesta área.
4º Período – Integração
É finalmente posto em prática em pleno século XX, o conceito de integração, já defendido por alguns autores nos finais do século XIX. Este confere ao deficiente as mesmas condições de realização e de aprendizagem sócio-cultural dos seus semelhantes, independentemente das limitações ou dificuldades que manifesta.
A segunda metade do século XX caracterizou-se por um certo desafio que o conceito de normalização trouxe à sociedade. Wolfensberger definiu normalização como sendo a “utilização de meios tão adequados, quanto possível, para estabelecer ou para manter comportamentos e características que são de natureza cultural”.
É neste contexto que aparece, a Declaração do Direitos das Pessoas Deficientes, em 1975, da qual passamos a citar os dois primeiros pontos:
“1 - O termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades físicas ou mentais.
2 - As pessoas deficientes gozarão de todos os diretos estabelecidos a seguir nesta Declaração. Estes direitos serão garantidos a todas as pessoas deficientes sem nenhuma exceção e sem qualquer distinção ou discriminação com base em raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou outras, origem social ou nacional, estado de saúde, nascimento ou qualquer outra situação que diga respeito ao próprio deficiente ou a sua família.“
5º Período – Inclusão
Surge com o aparecimento da Declaração de Salamanca ,em 1994, que defende que a “inclusão e a participação são imprescindíveis à dignidade humana e ao benefício e exercício dos direitos humanos”.
Começando com o conceito de escola inclusiva, esta teve a sua origem na Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), na Conferência Mundial sobre Educação para Todos (1990) e nas Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, de 1993.
No entender de Mayor, a conferência mundial sobre NEE ao adoptar a Declaração de Salamanca sobre os princípios, a política e as práticas na área das NEE “inspirou-se no princípio da inclusão e no reconhecimento da necessidade de actuar com o objectivo de conseguir escolas para todos, isto é, instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apoiem a aprendizagem e respondam às necessidades individuais”.
Assim sendo, as sociedades contemporâneas distinguem-se, em grande parte das anteriores, pela afirmação do respeito pela dignidade humana e pela garantia de que ao portador de qualquer necessidade especial lhe será permitido integrar-se nas diversas metas do funcionamento social sem qualquer barreira psicológica ou física. Mais concretamente, para as pessoas portadoras de deficiência e pessoas com nessecidades especiais deverão ser proporcionadas condições que lhes permitam atingir as seguintes metas:
· cuidar de si;
· tornar-se independente no quotidiano;
· participar na vida familiar e em actividades de tempos livres;
· manter contactos sociais;
· obter rendimento nos estudos e no trabalho;
· manter relações afectivas e vida sexual;
· poder assumir o papel de progenitor.
Podemos dizer que é através da segurança social, da educação, da formação profissional e do emprego, entre outros, isto é, da reabilitação, que essas condições poderão ser desenvolvidas e que poderá ser encontrado o verdadeiro enquadramento da pessoa portadora de deficiência e da pessoa com necessidades especiais. Assim, devemos actuar ao nível da prevenção e assegurar a cada pessoa o tenha acesso a todo e qualquer serviço de reabilitação, sempre com o espírito de que o meio social faz parte integral do processo.
Em Portugal, em Maio de 1989, é proclamada a Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (Lei nº9/89), a qual concebe a reabilitação como sendo “um processo global e contínuo destinado a corrigir a deficiência e a conservar, desenvolver ou restabelecer as aptidões e capacidades da pessoa para o exercício de uma actividade considerada normal. Engloba um conjunto variado de acções de prevenção, de reabilitação médico-funcional, de educação especial, de reabilitação psico-social, de apoio sócio-familiar, de acessibilidade, de ajudas técnicas, de cultura, de desporto e de recreação, entre outras, que se destinam ao deficiente e que visam favorecer a sua autonomia pessoal” . Assim, reabilitar perdeu o seu significado restrito de “habilitar de novo”. Do tornar o deficiente capaz de realizar novamente uma tarefa, passou a reabilitação a ser encarada como um processo que visa a integração total da pessoa com necessidades especiais. Por outro lado, a educação especial acompanhou muito de perto a evolução do conceito de deficiência. Começou com características essencialmente assistenciais, desenvolveu-se ao longo dos tempos e hoje procura manter o indivíduo em processos educativos normalizados, através da sua integração.
Este conceito de inclusão só será significativo quando for entendido como a solução, não necessariamente exclusiva mas prioritária, cujo âmbito deve ser progressivamente alargado. Não porque ele seja um fim em si mesmo, mas por ser a chave da futura integração dos portadores de necessidades especiais na sociedade.
A educação especial foi definida pela UNESCO como sendo “aquela dos que se desviam física ou mentalmente, emocional ou socialmente dos grupos relativamente homogéneos do sistema regular de educação, de modo que é necessário tomar providências especiais para corresponder às suas necessidades”.
Toda esta evolução deve-se não somente ao avanço tecnológico e da medicina, mas também ao aumento da legislação, à intervenção precoce, à implementação da educação pré-primária, ao prolongamento da escolaridade obrigatória e ao importante papel desempenhado pelas famílias que vêm reivindicando, ao longo do tempo, uma melhoria do atendimento a esta população.
A participação de todos não é apenas desejável do ponto de vista social e moral, mas também do ponto de vista funcional. Assim sendo, o melhor caminho a seguir tem que ser encontrado por todos nós.